quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

07/03 e 08/03 - Maldoror com os Mão Morta no Teatro Viriato

A partir de Os Cantos de Maldoror, a obra-prima literária que Isidore Ducasse, sob o pseudónimo de Conde de Lautréamont deu à estampa nos finais do século XIX, os Mão Morta, com os dedos de alguns cúmplices estruturaram um espectáculo singular onde a música brinca com o teatro, o vídeo e a declamação.

Entre vozes do herói Maldoror e do narrador Lautréamont e algumas imagens que povoam o livro, sem necessidade de um epílogo ou de uma linearidade narrativa, ao ritmo da fantasia infantil, o palco é transformado no quarto de brinquedos, o espaço onde a criança brinca, onde cria e encarna personagens e histórias dando livre curso à imaginação.


Em similitude com a técnica narrativa presente nos Cantos, a criança mistura em si as vozes de autor, narrador e personagem, criando, interpretando e fazendo interpretar aos brinquedos/artefactos que manipula as visões e as histórias retiradas das páginas de Isidore Ducasse, dando-lhes tridimensionalidade e visibilidade plástica. O espectáculo é constituído pelo conjunto desses quadros/excertos, que se sucedem como canções mas encadeados uns nos outros, recorrendo à manipulação à manipulação vídeo e à representação.


Como um mergulho no mundo terrível de Maldoror, povoado de caudas de peixe voadoras, de polvos alados, de homens com cabeça de pelicano, de cisnes carregando bigornas, de acoplamentos horrorosos, de naufrágios, de violações, de combates sem tréguas… Sai-se deste mundo por uma intervenção exterior, como quem acorda no meio de um pesadelo, como a criança que é chamada para o jantar a meio da brincadeira – sem epílogo, sem conclusão, sem continuação!


//Os Cantos de Maldoror (o livro)
Na Paris sitiada de 1870 e em vésperas do levantamento da Comuna morre aos 24 anos o desconhecido Isidore Ducasse. No entanto, este misterioso “homem de letras” deixava atrás de si um formidável empreendimento de demolição de que o romantismo envelhecido e o Segundo Império à beira do desastre não seriam as únicas vítimas. Os seus Os Cantos de Maldoror, impressos no ano anterior sob o pseudónimo de O Conde de Lautréamont, não poupam nenhuma autoridade nem nenhum dogma.



Sob a aparência de um herói do Mal, negativo dos heróis românticos então em voga, Maldoror é a personagem central da narrativa estruturada em Cantos à maneira das epopeias clássicas. Mas Maldoror é muito mais que um herói do Mal; é sobretudo um combatente da liberdade que nos revela as consequências de uma dupla alienação: enquanto a interiorização dos interditos morais e religiosos nos confisca os desejos, as marcas de uma linguagem imobilizada contrariam-nos a livre expressão.


Se a primeira alienação ganha denúncia no combate encarniçado de Maldoror contra o Criador e a religião e na natureza obsessivamente erótica dos seus crimes, relembrando a animalidade e a agressividade que a Igreja associa à sexualidade, já a segunda é exposta pela recorrência a artifícios literários, da interpelação do leitor à confusão entre narrador e personagem, da ausência de linearidade narrativa à constante sobreposição de formas literárias, como se ao combate encarniçado contra o Criador correspondesse estranhamente uma luta da escrita contra uma censura latente. Apesar disso, o texto não perde balanço, antes, como uma espiral ou um turbilhão, ganha um movimento rodopiante, de reposição e de renovação, de repetição e de modulação, com novos enredos sempre a arrancarem para logo abortarem, com constantes intromissões e divagações a impedirem a narração de avançar, não abordando novos relatos senão para voltar a tropeçar no mesmo episódio indizível, deixando entrever o que se segue para melhor o ocultar, tal um segredo que se quer contar mas não se consegue, criando assim uma tensão que vai alimentar toda a obra, que dá a impressão de gravitar à volta de um centro sempre fugidio.


07_sex e 08_sáb às 21h30
> 16 anos 80 min.
Preço B (7,5€ a 15€) Preço Jovem 5 €




//Ficha artística
Texto original Isidore Ducasse, dito Conde de Lautréamont
Selecção, versão portuguesa e adaptação Adolfo Luxúria Canibal
Música Miguel Pedro, Vasco Vaz, António Rafael e Mão Morta
Encenação António Durães
Cenografia Pedro Tudela
Figurinos Cláudia Ribeiro Vídeo Nuno Tudela
Desenho de luz Manuel Antunes Antunes
Interpretação Mão Morta (Voz Adolfo Luxúria Canibal Electrónica e bateria Miguel Pedro Teclados e xilofone António Rafael Guitarra Sapo Guitarra e xilofone Vasco Vaz Baixo e contrabaixo Joana Longobardi)
Produção Theatro Circo e IMETUA – Cooperativa Cultural


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