A Quinta das Lágrimas vai ter o primeiro jardim medieval totalmente reconstruído em Portugal, tendo como fonte de inspiração iluminuras, tapeçarias e literatura da época. A obra é da arquitecta Cristina Castel-Branco que pretende chamar a atenção para a preservação destes espaços.
Partindo do Cano dos Amores, mandado construir pela Rainha Santa Isabel, há quase sete séculos, para levar água desde a fonte dos Amores até ao Mosteiro de Santa Clara, Cristina Castel-Branco replantou na Quinta das Lágrimas um novo jardim.
Novo na organização do espaço e nas plantas. “Tudo exigiu um estudo cuidado das estruturas existentes nomeadamente as fontes e canais, tanques e lagos, e da informação histórica que confirma o valor de um espaço sobre o qual está documentada a antiguidade da ligação ao convento de Santa Clara”, explica a arquitecta paisagista, professora e presidente da Associação Portuguesa de Jardins e Sítios Históricos.
Este projecto é, segundo Cristina Castel-Branco, o primeiro jardim histórico – romântico e medieval – feito em Portugal de acordo com os critérios do ICOMOS, Comité Científico da Unesco para a Defesa e Estudo de Parques, Jardins e Sítios Históricos. Uma iniciativa privada de José Miguel Júdice que, garante a arquitecta, fica “muito mais barata que qualquer mega museu e é visitada por turistas de todo o mundo”. Aliás, o turismo paisagístico tem cada vez mais peso no panorama internacional, e Portugal terá, mais cedo ou mais tarde, que começar a tirar vantagem das suas mais valias nessa área, como já em acontece noutros países da Europa – França, Itália, Polónia ou Hungria.
Cristina Castel-Branco lamenta, no entanto, a falta de sensibilidade do poder político para a defesa deste património, que se manifesta na não existência de legislação para protecção e classificação dos jardins.
“A legislação portuguesa é muito escassa na defesa dos jardins”, assegura, “apesar da vontade clara um pouco por toda a Europa em defender este património”. A arquitecta recorda a propósito a Carta de Florença para preservação de jardins históricos, também assinada por Portugal. O documento, de 1981, refere que um jardim histórico é uma composição de interesse público, quer do ponto de vista arquitectónico, quer do ponto de vista artístico, devendo, por isso, ser considerado um monumento.
Mais. Um jardim histórico é constituído por elementos hortícolas, e portanto vivos, o que significa a sua perenidade e necessidade de manutenção e renovação. Por este motivo, a sua aparência é o reflexo de um equilíbrio perpétuo entre o movimento sazonal e o desenvolvimento, ou a decadência, da natureza, e a vontade do artista na procura da sua permanente inalteração.
O céu na terra
O documento da Unesco refere ainda a composição arquitectónica de um jardim histórico deve compreender, entre outros, e para além das plantas, estruturas permanentes e objectos de decoração, e correntes de água ou lados, nos quais se reflicta o céu.
Tudo isto se aplica ao jardim histórico da Quinta das Lágrimas, um espaço “notável”, segundo Cristina Castel-Branco. Um espaço onde coabitam o romântico e o gótico, o exótico e o medieval. Durante a pesquisa histórica com vista à reconstrução do jardim, a arquitecta encontrou um documento, cujo original de 1326 está no Arquivo da Universidade, mas de que a família Alarcão Júdice tem uma cópia, no qual a Rainha Santa manda construir o Cano dos Amores.
Nesse documento, pode ler-se como decorreu a negociação com os frades crúzios proprietários da quinta e do pombal. Segundo o texto, “o cano terá de cada lado uma leira de terra, para ir, vir e estar”, o que prova que os jardins serviam para trabalho – ir e vir – e ócio – estar. Além da sua importância histórica – “não é normal existir documentação deste género de há 600 anos atrás”, refere –, o texto prova ainda que a designação de Cano dos Amores é anterior a Inês.
O que não espanta a arquitecta. “O amor cortês foi inventado nos jardins, e o drama de Inês de Castro assume aqui ainda maior importância”. “Estes locais de ambiente e cultura, expressam também o ambiente social e político da sua época”, afirmou, recordando que “só se fazem jardins em tempos de paz e calma”.
O jardim torna-se assim “uma concentração artística muito importante”. Num jardim medieval havia música e canto, namorava-se, escrevia-se, recitava-se poesia. Na época, “os jardins eram salas de visita”, afirma Cristina Castel-Branco, onde simetria não era importante. Mas “num jardim histórico não pode haver dissonâncias. O importante é dar ao visitante a noção do tempo que passou”.
Plantas dos Descobrimentos
Para as lágrimas foram escolhidas 50 espécies de plantas que se utilizavam na Idade Média, “e que surgem pintadas nos livros e descritas nas listas de plantas dos conventos, dos hortos de plantas medicinais e hortas”. No entanto, esclarece, “restringimo-nos às plantas que existiam antes dos Descobrimentos e da introdução de plantas exóticas”.
Salsas, coentros, abóboras, violetas, lírios e açucenas. A ideia que norteou a intervenção de Cristina Castel-Branco foi “recriar um ambiente de clausura, de bem estar e de grande simplicidade semelhante ao ambiente dos jardins medievais, com espaldares de rosas, pergolas de vinha, canteiros de plantas hortícolas e aromáticas e dentro deste espaço de contornos irregulares surge uma fonte octogonal, simbolizando a fonte da vida típica de todas as representações do jardim medieval”.
Para ler o artigo na íntegra, clique aqui
Sem comentários:
Enviar um comentário